Por Luma Marinatto Fernandes
O referido trabalho, em formato audiovisual, foi produzido a partir da reflexão
do conceito de comunidade para os povos Bantu-Kongo, tendo como cerne a busca
pela aproximação e entendimento da cosmovisão Bantu.
A construção textual da criação busca trazer características da organização
social comunalista dos povos Bantu-Congo, confrontando com as imagens do vídeo
que mostram uma realidade urbana ocidental completamente distanciada do
conceito utópico de comunidade. Juntos, áudio e imagens, buscam causar um
choque entre as duas estruturas sociais.
Para a realização da produção foram utilizados artigos de Tiganá Santana e
Bunseki Fu-Kiau como referência.
Texto da produção:
“Dentro da comunidade
Não há espaço para pobreza
Dentro da comunidade
Não há espaço para riqueza mal adquirida
Dentro da comunidade
Não há espaço para cegueira
Dentro da comunidade
Não há espaço para “dador de ordens”
Não há espaço para escravos
Todos são mestres e somente mestres
Todos são especialistas e somente especialistas
Dentro da comunidade
Gerações jovens
Dentro da comunidade
Filhos dos ancestrais
Dentro da comunidade
Uma irmã, o rebento da comunidade
Dentro da comunidade
Um irmão , um futuro líder
Dentro da comunidade
Equilíbrio e igualdade
Dentro da comunidade
Não há espaço para separatismo/privacidade
Dentro da comunidade
Todos dormem de uma só vez
Dentro da comunidade
Todos acordam de uma só vez
Dentro da comunidade
Inimigos se destacam
Aforismo muito difundido nas comunidades Bantû-Kongo
cantado antes de alguma reunião que trate de questões
sociais, políticas, econômicas ou criminais.” (Excerto presente
no manuscrito intitulado “Makuku Matatu: os fundamentos
culturais bantu entre os kongo” de Bunseki Fu-Kiau.)
Viver em comunidade não é fácil, mas é o melhor que temos.
Aqui compartilhamos nossos sofrimentos, nossas dificuldades, mas também
a delícia de todas as comemorações. Juntos enxergamos mais longe.
Cada ser humano que cá habita é como um sol, que nasce, sobe no meio
céu quando atinge a maturidade, pronto para iluminar todos ao seu redor e se põe
quando é hora de partir desse plano; ciente de que compartilhou todos os
ensinamentos com os mais jovens. Não cumprir sua função solar é desviar do seu
propósito e atrofiar.
Cada um de nós tem o seu papel muito bem definido e juntos formamos um
único corpo indivisível: nosso clã. Ele já estava aqui antes de nós, e permanecerá
depois que nos tornarmos ancestrais. Por isso é preciso honrar todos que te
criaram, até mesmo aqueles que você nunca conheceu mas que também fazem
parte da tua jornada, todos compartilhamos do mesmo elo; e todos somos
responsáveis pelo desenvolvimento uns dos outros, criamos juntos nossas crianças
em respeito aos que nos criaram. Todos filhos dessa mesma terra inviolável,
vivemos da terra e para a terra em uma relação de profunda troca e cuidado, a terra
é patrimônio de toda comunidade e ninguém jamais pode se apropriar com
interesses individuais.
Aqui resolvemos todos os conflitos em comunhão, através de assembléias
entre representantes de pequenos grupos familiares, chegando sempre a uma
decisão do que é melhor para o coletivo. A casa em que se reúnem esses
representantes é pública, falar de assuntos privados é crime, e é lá onde curamos
as doenças da sociedade. Assim, nós garantimos a liberdade de todos.
Temos um líder que nos representa em assuntos externos, nosso líder serve
somente ao interesse coletivo, tem ouvidos mas não tem boca, para isso é testado a
se mostrar obediente às reais vontades e necessidades do povo.
A comunidade é sagrada, nunca se pode maldizê-la, até porque falar mal da
comunidade é falar mal de si próprio e quando todos os seres estão em harmonia
podemos então estabelecer o fio que nos conecta aos nossos ancestrais e a
Kalunga, nossa maior fonte divina.
Viver em comunidade não é fácil, mas é o melhor que temos.
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